quinta-feira, 12 de abril de 2012

Direto de 1982, copos mais que cheios

Vinhos 11/04/2012 | 15h22
Mark Taylor, consumidor e colecionador de vinhos Bordeaux de Atlanta, nos EUA, abriu algumas de suas garrafas da safra de 1982 para degustação
Eric Asimov.

Foto: Raymond McCrea Jones / The New York Times
 
Atlanta - A ansiedade era aguda, enquanto 16 de nós nos sentávamos em torno de uma mesa comprida no belíssimo apartamento num 39º andar, cheio de obras de arte, de Mark Taylor, consumidor e colecionador de vinhos Bordeaux desta cidade. As seis taças diante de cada um de nós já estava cheias, suas fragrâncias subindo e se misturando. Do lado de fora, na segunda-feira gelada de março, um vento forte uivava e o próprio prédio gemia e vibrava como um diapasão gigante. Preferi pensar que isso era um sinal das grandes expectativas.
Que amante de vinhos não ficaria excitado com a extraordinária oportunidade de degustar 18 garrafas da celebrada safra de 1982 de Bordeaux, incluindo todas as cinco primeiras maturações, e outras seleções raras e caras? Afinal, os vinhos tinham agora 30 anos, estavam (ao menos teoricamente) plenamente amadurecidos, no seu auge. E 18 de uma vez? Só uma já seria a experiência do ano.
Foi, de fato, uma oportunidade de degustar a história. Os anais dos Bordeaux estão cheios de grandes colheitas. Só na última metade do século 20, posso citar também 1990, 89, 85, 70, 66, 61, 59 e 53. Mas a de 1982 não foi apenas grande, foi histórica. Pode-se facilmente argumentar que a idade moderna do vinho começa com a colheita de 1982, ou, ao menos, com a recepção dos 82. Esses vinhos, em si, representam o fim da idade antiga.

Essa colheita é notoriamente associada à ascensão do crítico norte-americano Robert M. Parker Jr., que ainda trabalhava como advogado enquanto, no seu tempo livre, produzia um boletim, The Wine Advocate. A história da colheita é em geral contada como se Parker a exaltasse solitariamente contra uma legião de opositores, mas o fato é que, com poucas exceções, a maior parte dos críticos da época aclamou os vinhos. A diferença estava em como Parker os elogiava.
A cautela e as entrelinhas dos críticos de vinho tradicionais não eram para ele. Seu elogio era claro, seguro e sem ressalvas, e ele exortava seus leitores a comprar tudo o que podiam em futuros de vinho, o sistema de Bordeaux no qual você paga agora por vinho que lhe poderá ser entregue em um ou dois anos, jogando com os preços que podem subir, ou com a disponibilidade que poderá cair. O resultado foi uma excitação febril e um mercado frenético, que foi muito além dos profissionais e connaisseurs, chegando a um novo grupo de compradores que entraram nessa pela curiosidade, pelo status e pelas possibilidades de investimento.
Simultaneamente, o próprio negócio do Bordeaux estava mudando. Na época, muitos châteaux eram ainda propriedades familiares, e não das corporações e indivíduos ricos que dominam hoje essa região. O negócio era muito menos glorioso do que hoje e, após muitas décadas difíceis e um aumento agudo nos impostos sobre a herança na França, muitas famílias liquidaram suas posses.
Os novos proprietários e as vigorosas vendas da safra de 82 trouxeram uma infusão de capital a Bordeaux,
inaugurando uma evolução, nos 20 anos seguintes, para os Bordeaux modernos de hoje. Os vinhos Bordeaux de 1982 eram ricos, maduros e opulentos, refletindo a estação quente, seca e longa de crescimento desse ano. A popularidade dos vinhos compreensivelmente deu aos produtores um incentivo a fazerem vinhos similares no futuro, o que, além da esperança por um ano igualmente ideal, demandava mudanças em seus métodos.

Mark Taylor organiza sua coleção de Bordeaux
Num certo sentido, 1982 validou aquilo que enólogos de Bordeaux como Émile Peynaud estavam pregando muito antes. Por anos, ele havia recomendado aos produtores da região que não colhessem as uvas muito cedo, para evitar que apodrecessem, e sim que permitissem que elas amadurecessem completamente. Ele estimulou as vinícolas a escolherem apenas suas melhores uvas para seus vinhos, uma noção difícil de aceitar para muitos numa época em que a quantidade era, muitas vezes, mais importante que a qualidade. Na verdade, a produção de 82 foi alta. Ela teria de cair se os produtores quisessem obter vinhos melhores e de maneira mais consistente, mesmo nos anos menos que perfeitos.
Em vez de por todas as suas uvas num só vinho, Peynaud recomendou que as vinícolas criassem rótulos menos caros para os vinhos que não fossem tão bons. Em 1982, poucos châteaux tinham um segundo rótulo, mas hoje esse é um procedimento padrão. Os châteaux de Bordeaux transformaram seus métodos de vinicultura e produção de muitas outras maneiras nos últimos 20 anos, recorrendo à tecnologia, ganhando maior controle sobre a natureza e reduzindo o impacto da aleatoriedade sazonal. O aquecimento global também ajudou os vinicultores, ou ao menos reduziu suas dificuldades, na busca pelo estilo exuberante de 82.

Já na primeira década do século 21, o próprio Parker já proclamou as três safras do século. Um mercado global se desenvolveu, e os preços dispararam. Grandes bordeaux, hoje, não são meros vinhos, mas bens de luxo, com preços muito acima das possibilidades da maioria dos consumidores. Para o bem ou para o mal, essa é uma consequência não esperada da transformação que começou na safra de 82.
A questão que surgiu com a safra de 82 era se os vinhos envelheceriam bem. Parker nunca duvidou disso, mas outros críticos sugeriram que essa safra de um clima quente não era suficientemente estruturada para um consumo a longo prazo. E, bem, eis-nos ali no apartamento de Taylor, 30 anos depois, prestes a descobrir o que aconteceria. Entre os amantes do vinho à mesa havia vários profissionais, incluindo Charles Curtis, chefe de vendas de vinhos na Ásia para a Christie's; Eric LeVine, fundador do CellarTracker, uma ferramenta online de gestão de adegas; e Yves Durand, sommelier, escritor e celebridade dos vinhos em Atlanta. Quase todos os vinhos vinham da adega de Taylor, onde estavam desde seu lançamento.
Durand havia arranjado os vinhos numa série de três seleções. Enquanto nos diziam quais eram os vinhos que compunham cada seleção, eles eram servidos sem identificação. Os primeiros incluíram cinco do Médoc e do Pessac-Léognan: La Mission Haut-Brion, Pichon Lalande, Gruaud-Larose, Beychevelle e Lynch-Bages, e, correndo por fora, o Figeac de St.-Émilion, talvez o mais Médoc dos St.-Émilions, por conta da alta percentagem de Cabernet Sauvignon na sua composição.
Os vinhos eram ótimos, embora em tais circunstâncias não se possa deixar de ser crítico. Entre meus favoritos ficaram o Beychevelle, um vinho completo, complexo e harmonioso, contemplativo sem deixar de ser surpreendentemente rico, e o Pichon Lalande, ainda jovial e impossivelmente delicado para um vinho tão encorpado. O Figeac não foi difícil de identificar: ele tinha o tom de especiaria em seu aroma e sabor que claramente o distingue. O La Mission foi decepcionante: embora fresco, parecia lhe faltar estrutura.
A segunda seleção incluiu as
  cinco primeiras safras — Lafite-Rothschild, Mouton Rothschild, Latour, Margaux e Haut-Brion — junto ao Cheval Blanc, seu equivalente de St.-Émilion. Esta seleção foi simplesmente incrível. Se poderia ficar discutindo minúcias sobre os vinhos, comparando-os uns aos outros, mas cada um deles não era menos que esplêndido. Resistimos ao impulso de classificá-los — "Como classificar a grandiosidade?", perguntou alguém. Mas tivemos o nosso favorito por consenso, o Margaux, de bela cor de rubi, com sabores complexos de fruta, mineral e tabaco. O Haut-Brion parecia maior e mais opulento, com sabores exóticos de fruta e um aroma forte de tabaco.
O Lafite parecia mais cheio e rico que o Mouton, que pareceu mais fino. Estranhamente, pensei que seria o contrário. O Latour se destacou pela sua pureza e seus taninos poderosos, enquanto que o Cheval Blanc, com algum tempo no copo, desenvolveu um aspecto de cedro que costuma entregar sua identidade. Em tudo, um conjunto notável de vinhos.
A terceira seleção, que carregava o fardo de se seguir a esses vinhos sublimes, incluiu dois St.-Juliens (Ducru-Beaucaillou e Léoville-Las-Cases); mais o Cos d'Estournel da St.-Estèphe e três pomerol — Lafleur, Le Gay e L'Évangile. Essa foi a seleção mais errática. O Léoville estava com gosto de rolha, e uma segunda garrafa estava um pouquinho mofada. Meus favoritos incluíram o jovial e harmonioso Cos d'Estournel e o complexo, rico, porém terroso L'Évangile. O Ducru estava belíssimo, mas me decepcionei com o Lafleur, que estava doce, com gosto de geleia. Dos 18 Bordeaux de 82, foi a única garrafa que eu teria dificuldade de terminar. Claro que essa é a opinião de um homem: Durand adorou o Lafleur.
Não é fácil resumir um conjunto extraordinário de vinhos. Fui privilegiado em ter a oportunidade de tomá-los, especialmente quando tão poucos amantes do vinho têm oportunidade semelhante para degustar grandes safras mais recentes.
Hoje em dia, tantos desses vinhos são comprados como troféus ou investimentos que é raro o comprador que, como Taylor, se permite tirar as rolhas e bebê-los. A safra de 82 deixa assim, um belo legado, não sem seu travo de amargor.

Fonte: The New York Times Service
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Só queria registrar que mesmo não sendo (ainda) um apreciador de vinhos, esta matéria me incentivou bastante! Quem sabe 2012 não seja o ano que eu vá mudar de paladar?!?!
Eu deixo a minha guarda baixa... para bom entendedor, meia palavra basta!

Abraços.
By Roehrs

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